domingo, 6 de março de 2016

Literatura de Fantasia é Literatura?


Certa vez, vagando pelo Linkedin, fui apanhado em uma discussão de um grupo de escritores, cujo assunto, após eu declarar sem pretensão alguma que era escritor de fantasia, inflamou-se e culminou na polêmica “o que é e o que não é Literatura”. Na voz de alguns muitos dos que participavam do fórum, a Literatura Fantástica atual era definível como uma "modinha literária” invadindo o mercado editorial, as famosas "Sagas", tidas como produtos ensaiados, previsíveis, marcados ponto a ponto como uma carta cartográfica, sem a verdadeira emoção que a Arte provoca – que deveria ser exclusivamente provocadora e incômoda ao seu espectador.

Acho perigoso um conceito universal sobre o que seja a literatura, ou qualquer arte, ainda mais em tempos multissemânticos como este que vivemos, apesar disso, respeito e abono em muito o conceito relevado naquele dia. Sim, a arte deve incomodar, tirar do lugar, fazer evoluir, transformar... mas quem garante que um personagem heroico de uma obra literária fantástica ou de fantasia não traz incômodo e reflexão para aquele que o acompanha em sua saga e permite-se testemunhar o crescimento ou a desgraça entre seus conflitos e boa-venturanças? Uma história qualquer que não traga ao leitor o incômodo artístico pode muito bem fazê-lo com outros milhares, assim como outras grandes obras que provocam uns, mas que podem não atingir as sensibilidades de outros. Plenamente subjetivo em minha opinião: é o choque de todas as significações do leitor contra toda a expressão das significações do autor que está em jogo, e só temos a perder se buscamos estigmatizar ou arredondar o resultado deste processo em "o que é" e "o que não é". Graças a este pensamento, hoje consigo apreciar obras de Grande Sertão: Veredas a Harry Potter, de Autram Dourado a Tolkien. As fórmulas podem se repetir (na maioria das vezes, penso), ou serem previsíveis, mas o resultado e o "como ocorre" jamais é o mesmo.

Tenho para mim que a literatura não deve ser somente sôfrega, anti-moralista, mas sim imitar a vida em suas amplas expressões e possibilidades, moralista ou imoral, sangrante ou reconfortante, hemorrágica ou curativa. As conceituações acadêmicas que estudei e li durante minha formação têm muito valor, mas erram com o radicalismo numa medida forte, acho eu. Não que qualquer porcaria deva ser considerada literatura, mas desliteraturalizar a maioria das obras porque estas simplesmente trazem fuga (como as de Fantasia) ao leitor ou tem propósitos diferentes da corrosão e estranhamento me é, sinceramente, limitante. Se causa reflexão e tira a pessoa do lugar, ardendo ou refrescando, é literário, em meu ponto de vista. Novamente, reitero minha crença que muito deste conceito nasce subjetivamente... Nem tudo que corrói um, corrói outro... Se há um milhão de leitores, há um milhão de interpretações diferentes, deles, metade pode ser provocada, incomodada, deslocada pelo conto de um edifício de 800 andares que nunca termina de ser construído, a outra metade pela queda do Rei Artur Pendragon em busca do Santo Graal.

Ivlandhar, Qaes Thos Fahndrl.



---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


 

2 comentários:

  1. Olá
    Em meu ponto de vista literatura é aquilo que nos faz sentir algo e é escrito. De forma bem resumida seria isso mesmo. Eu aprendi a ler, ainda bem nova, com os gibis da Turma da Mônica. Não tem crítico no mundo que vai me convencer de que esses gibis não são literatura. O mundo precisa mesmo de mais empatia.

    Vidas em Preto e Branco

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Justamente, Lary! Muitas vezes, esse preciosismo só segrega ao invés de agregar possibilidades humanas da arte!

      Excluir